
A liberdade de imprensa traria ainda outra novidade para a cena pública. Antes, e sob o controle régio, existiam apenas duas tipografias nas províncias do Brasil: uma no Rio de Janeiro, outra na Bahia. Agora, dezenas de tipografias, públicas ou particulares, se espalhariam também pelas províncias de Pernambuco, Maranhão e Grão Pará.
Nos dois lados do Atlântico foram impressos, entre 1821 e 1823, mais de oitenta periódicos e mais de quinhentos folhetos políticos. O público, acostumado à leitura de jornais oficiais e de outros conteúdos autorizados, agora poderia ler o que quisesse, sem ter que recorrer ao contrabando de papeis proibidos, sempre presente. Mas, o que era debatido?
A elaboração da Constituição do Reino, que ficaria pronta em setembro de 1822, provocou a discussão sobre muitos temas: a manutenção da escravidão; a situação dos libertos; a gradual cessão do tráfico de escravizados; a povoação do território americano com emigrantes europeus; a influência britânica sobre o governo português e, claro, a situação do Brasil perante todas aquelas transformações.
Entre os temas preferidos pela imprensa estava a autonomia que o Brasil deveria ter no Reino Unido português. Com o regresso de D. João VI (1767-1826) a Portugal, em abril de 1821, discutia-se qual deveria ser o papel do Rio de Janeiro na nova ordem política. Com o poder novamente concentrado em Portugal, o regente Pedro (1798-1834), que se tornaria imperador, deveria permanecer no Brasil?
Aos poucos, a divergência de opiniões a esse respeito evidenciou os interesses em jogo nas diferentes províncias do Brasil. Os papeis impressos no Rio de Janeiro, quase sempre, insistiram na permanência do regente, que resistia à decisão das cortes portuguesas, tomada em setembro de 1821, de que deveria regressar a Portugal. Nos meses seguintes, a maioria dos papeis impressos nas províncias do Norte manifestou apoio às cortes. Entre Lisboa e o Rio de Janeiro, preferiam Lisboa.
A transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, teve efeitos diferentes no território americano. No Rio de Janeiro houve a concentração de poder político, de recursos públicos – aumentados pela maior cobrança de tributos – e de possibilidades de ascensão social: a corte era uma grande e promissora novidade! Nas distantes províncias do Norte, a situação era outra. Os benefícios trazidos pelo comércio direto com a Inglaterra, aliada de Portugal, não compensavam os custos para a manutenção da corte no Rio de Janeiro.
Quando se instituiu a liberdade de imprensa, essas divergências de interesses explodiram. Afinal, os problemas eram agora vividos publicamente. No momento em que a luta por mais autonomia se transformou em separação total, em setembro de 1822, os papeis impressos no Rio de Janeiro foram confrontados em províncias como a Bahia, o Maranhão e o Grão-Pará, que só aceitariam a Independência entre julho e agosto de 1823.
Os redatores, importantes para toda aquela agitação, movimentavam um mundo de futuro imprevisível. Muitos eram clérigos ou advogados, alguns ocupavam cargos públicos. Em tempos de o facilitado aos prelos, publicizaram demandas políticas controversas. Muitas vezes, terminaram presos, agredidos ou deportados, outros colheram os frutos da nova atividade e elegeram-se para cargos públicos.
A importância de publicar ideias políticas naquele momento pode ser medida pela atuação de alguns personagens. Homens como José da Silva Lisboa (1756-1835), o visconde de Cairu, e José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), depois conhecido como o “patriarca da Independência”, redigiram jornais e folhetos. Até mesmo o imperador Pedro, antes e depois da Independência, escreveu para jornais do Rio de Janeiro.
Enfim, a liberdade de imprensa sacudiu o mundo luso-brasileiro. Ainda que autorizado, o exercício dessa liberdade era uma aventura perigosa, mas fundamental. Ontem e hoje.
Marcelo Cheche Galves é professor da Universidade Estadual do Maranhão, bolsista do
CNPq e autor do livro “Ao público sincero e imparcial”: imprensa e independência na
província do Maranhão (1821-1826) (Editora UEMA/Café & Lápis, 2015). E-mail:
O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo. [https://orcid.org/0000-0002-7344-9277]
Saiba mais
CARVALHO, José Murilo de; NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das; BASILE, Marcello (org.). Guerra literária: panfletos da Independência (1820-23). Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
MOREL, Marco. As transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidades imperiais (1820-1840). São Paulo: Hucitec, 2005.
STARLING, Heloísa Maria Murgel; LIMA, Marcela Telles Elian de. Vozes do Brasil: a linguagem política na Independência (1820-1824). Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2021.