
Nota de Repúdio 4scv
As Diretorias de Pós-Graduação e de Pós-Graduandos(as) da Associação Nacional de História - ANPUH-Brasil vêm a público manifestar veemente repúdio ao requerimento de sugestão nº 190/2024, aprovado na Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, que propõe a obrigatoriedade de publicação de um artigo em revista científica internacional para a concessão de títulos de mestrado e doutorado.
Essa proposta demonstra um profundo desconhecimento da realidade enfrentada pelos pós-graduandos brasileiros e desconsidera as dificuldades estruturais, financeiras e operacionais da pesquisa acadêmica no Brasil. Apresentamos, a seguir, uma série de argumentos que fundamentam nosso posicionamento:
1. Realidade Financeira dos Pós-Graduandos: A maior parte das revistas científicas internacionais exige o pagamento de taxas exorbitantes para a publicação de artigos, muitas vezes em dólares ou euros, valores completamente incompatíveis com as condições financeiras de nossos pós-graduandos, cujas bolsas são de subsistência mínima. A CAPES não financia diretamente a publicação em periódicos internacionais, o que impõe um fardo insustentável para os pesquisadores brasileiros.
2. Valorização da Produção Científica Nacional: A exigência de publicação internacional desvaloriza a rica e diversificada produção acadêmica nacional, que contribui significativamente para o avanço das ciências humanas e sociais no Brasil. As revistas científicas brasileiras, muitas delas reconhecidas e respeitadas internacionalmente, devem ser o espaço prioritário para a disseminação de nossas pesquisas. Além disso, as revistas discentes, especialmente nas áreas de ciências humanas, podem desempenhar um papel crucial na valorização da produção científica ao oferecer espaço para novas vozes e perspectivas, incentivando a formação de jovens pesquisadores e permitindo a circulação de ideias que dialogam diretamente com as questões sociais e culturais brasileiras nos Programas de Pós-Graduação. Esses periódicos também podem contribuir para o fortalecimento dos critérios de inovação, diversidade metodológica e interdisciplinaridade, além de promover um maior engajamento com problemas regionais e nacionais que frequentemente são negligenciados no cenário acadêmico internacional.
3. Precariedade da Infraestrutura de Pesquisa: É amplamente reconhecido que a infraestrutura de pesquisa no Brasil é deficiente. Os laboratórios, bibliotecas e recursos tecnológicos, necessários para a realização de pesquisas de alta qualidade, são frequentemente inadequados. Nesse contexto, a exigência de publicação internacional impõe um obstáculo adicional sem considerar a falta de condições adequadas de trabalho.
4. Ausência de Remuneração Adequada: Além das bolsas de valores insuficientes, os pós-graduandos brasileiros não recebem remuneração justa pelo trabalho de pesquisa que realizam. A proposta ignora o fato de que, para muitos, a sobrevivência financeira já é um desafio, e a imposição de novos custos inviabiliza ainda mais o desenvolvimento acadêmico.
5. Autonomia dos Programas de Pós-Graduação: Muitos programas de pós-graduação já possuem critérios rigorosos e flexíveis de publicação, adequados às especificidades de suas áreas de conhecimento. A imposição de um critério único, focado exclusivamente em publicações internacionais, ataca diretamente a autonomia acadêmica, ignorando tanto as particularidades de cada campo de estudo quanto as diretrizes estabelecidas pela própria CAPES. Devemos buscar um sistema de avaliação que reconheça as diferentes formas de produção científica, incentivando a inovação, a diversidade e o engajamento com as demandas sociais, regionais e nacionais. Nossa produção acadêmica local e nacional não deve ser subjugada aos ideais internacionais, mas sim reconhecida por sua relevância e impacto no contexto brasileiro e global.
6. Desigualdade no o ao Reconhecimento Internacional: A exigência de publicação em revistas internacionais privilegia pesquisadores que têm o a redes e recursos internacionais, marginalizando aqueles cujas pesquisas têm relevância nacional ou regional e que encontram maiores dificuldades de inserção nesses meios. Isso gera um desequilíbrio ainda maior no sistema acadêmico.
7. Desvio dos Objetivos da Pós-Graduação: A pós-graduação brasileira tem como um de seus pilares a formação de recursos humanos altamente qualificados para contribuir com o desenvolvimento nacional. A obrigatoriedade de publicação internacional desvia o foco para interesses externos, colocando a formação de nossos mestres e doutores nas mãos de uma banca estrangeira, quando o objetivo deveria ser o fortalecimento da nossa própria produção científica e tecnológica.
8. Assimetrias entre áreas do saber: Atualmente, o impacto acadêmico é medido com base em citações definidas por critérios internacionais, favorecendo apenas áreas específicas de interesse. Esse modelo prejudica as ciências humanas, que frequentemente produzem conhecimento relevante para o contexto nacional, mas que não recebe o devido reconhecimento em revistas internacionais. Deste modo, nossa reivindicação deve ser por um sistema de avaliação mais equilibrado, que valorize os diferentes saberes e produções acadêmicas.
Por essas razões, a diretoria da ANPUH se posiciona contra essa medida e se compromete a lutar, junto à CAPES e outras instituições relevantes, para que essa sugestão não seja aceita. Reafirmamos nosso compromisso com a defesa de uma pós-graduação pública, inclusiva e comprometida com o desenvolvimento do Brasil, garantindo a autonomia dos programas e a valorização da produção acadêmica nacional.
Thais Alves Marinho - Diretoria de Pós-Graduação
Kívia Mirrana Pereira - Diretoria de Pós-Graduandos(as)
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE HISTÓRIA – ANPUH-BRASIL