
A Revista Brasileira de História convida a comunidade historiadora a submeterem artigos para o dossiê Há 60 anos de 1964: outras abordagens, objetos e experiências (Vol. 44, N. 97 - set.-dez, 2024) u2w70
Organizadores:
- Larissa Jacheta Riberti. Doutora em História pelo PPGHIS/Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora adjunta da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, campus Ceres/Caicó.
- Natália de Santanna Guerellus. Doutora em História pela Universidade Federal Fluminense. Professora adjunta da Université Jean Moulin Lyon 3, França.
- Pablo Francisco de Andrade Porfírio. Doutor em História pelo PPGHIS/Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Pernambuco e do Programa de Pós Graduação em História/UFPE.
Tema e abordagem, perfil das contribuições e justificativa.
Tradicionalmente, as regiões Sul e Sudeste do Brasil foram consideradas como locais de partida das análises historiográficas sobre o golpe de Estado de 1964. Seus sujeitos foram privilegiados na construção de temas de pesquisa para o entendimento das dinâmicas golpistas. Em contrapartida, as demais regiões e seus atores agiram a reboque desses acontecimentos considerados instauradores, constituindo, assim, o plano de fundo para as mobilizações das tropas que marcharam de Minas Gerais para o Rio de Janeiro e as atuações de figuras como Magalhães Pinto, Ranielli Mazzili, Auro de Moura Andrade, os generais Mourão Filho e Castello Branco, entre outros.
Em grande medida, esses são atores e acontecimentos que permaneceram nas narrativas midiáticas e literárias que mais circularam e se popularizaram nas últimas décadas. Ainda hoje, essa visão sobre o golpe e a ditadura militar que o sucedeu ocupa, com significativa relevância, as poucas páginas destinadas ao assunto nos principais livros didáticos adotados nas escolas de educação básica. Contudo, durante esse mesmo período, principalmente com as iniciativas em termos de justiça de transição no século XXI, diversas outras fontes históricas foram coletadas, organizadas e, parte delas, digitalizadas, para, em seguida, serem disponibilizadas para consulta em instituições arquivísticas públicas e privadas. Iniciativas como o projeto Memórias Reveladas, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) e suas congêneres estaduais, municipais e institucionais tiveram importância crucial nesse processo. A produção desses novos acervos documentais impulsionou a multiplicação de sujeitos e dinâmicas políticas relacionados ao golpe de 1964 e a estruturação da ditadura no Brasil para além dos eixos políticos e geográficos tradicionais, como São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Um exemplo da ampliação desses debates é o avanço de pesquisas acadêmicas sobre as políticas públicas adotadas durante o período da ditadura militar que visaram “integrar” regiões como o Norte e o Nordeste, a fim de controlar a organização dos movimentos sociais e impedir a articulação de redes de resistência. Uma das áreas mais privilegiadas por esses projetos foi a amazônica, como a que integra as fronteiras dos estados do atual Tocantins, Maranhão e sudoeste do Pará. Nessa geografia interestadual, mesmo palco de atuação da Guerrilha do Araguaia, os militares depositaram suas fichas em obras de mineração, extração de madeira e pecuária extensiva, afetando territórios historicamente ocupados por povos originários, como indígenas, camponeses e ribeirinhos.
Além disso, investigações sobre a repressão e a resistência ao golpe de 1964 e à ditadura militar na região Nordeste têm se ampliado nos últimos anos, a partir do uso de fontes recepcionadas, produzidas e organizadas pela CNV e, sobretudo, pelas comissões estaduais. Esses trabalhos têm contribuído para uma compreensão mais ampla da resistência à ditadura, incluindo a estruturação de grupos opositores no âmbito urbano, nas capitais e cidades do agreste e sertão nordestinos, para além da mobilização agrária. Este dossiê se propõe, portanto, a debater e refletir acerca desses “outros golpes” a partir de artigos que contemplem outros lugares, sujeitos e identidades, que, durante vários anos, não receberam a atenção devida nas interpretações historiográficas sobre o assunto. Considerando que ainda há muito a ser investigado a respeito do tema para entender a complexidade e multiplicidade histórica do Brasil nesse período, esta proposta adota como critérios para a recepção de artigos que possam integrar o dossiê, os seguintes norteadores:
- A atuação de elites políticas, econômicas e culturais, tanto agrárias quanto urbanas, principalmente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país na articulação e sustentação do golpe de 1964 e da ditadura militar;
- A construção de redes resistências e a memória de experiências sociais, como movimentos estudantis, grupos religiosos, movimentos armados, organizações operárias, no campo e nas cidades;
- Análises sobre a articulação e atuação política de camponeses em relação à experiência golpista e seu desdobramento ditatorial a partir de engenhos de cana-de-açúcar, projetos de colonização e outros espaços rurais;
- Estudos sobre as associações entre setores civis brasileiros e estrangeiros, como empresários e latifundiários, e os agentes do Estado na campanha de desestabilização do governo de João Goulart – e de governos estaduais de esquerda –, na execução do golpe de Estado e na montagem do aparato ditatorial desde os primeiros dias de abril de 1964;
- Investigações acerca de como as mulheres, as populações Lgbtqia+, os quilombolas e os indígenas perceberam a intervenção dos militares, bem como suas formas de reação ao autoritarismo do Estado.
A adoção desses critérios se justifica pela necessidade de dinamizar e pluralizar as discussões sobre o Golpe de 1964 e sobre a ditadura militar, combatendo narrativas hegemônicas e aproximando objetos e correntes de interpretação das várias regiões e instituições do país. Num contexto em que vivenciamos o refluxo conservador, marcado pela ascensão de extremas direitas que recuperam uma memória positiva sobre a atuação de militares e estimulam a celebração dos golpes e ditaduras na América Latina, é crucial promover o debate crítico sobre os mais diversos sujeitos, lugares e experiencias sobre esse ado histórico.
Submissão de artigos: De 05 a 29 de fevereiro de 2024
Publicação: Vol. 44, N. 97 - set.-dez, 2024